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Doenças Emergentes e Reemergentes no Contexto da Saúde Pública

Emerging and Reemerging Diseases in the Context of Public Health

Autores: Francisco Antônio Z. Paz; Marilina A. Bercini
Assuntos: Doenças transmissíveis emergentes; Condições sociais; Fatores socioeconômicos.

INTRODUÇÃO

Com a evolução tecnológica na área de saúde, esperava-se que as doenças infecciosas transmissíveis como malária, dengue, tuberculose e hanseníase reduzissem sua importância como causa de morbidade e mortalidade das populações. A transição demográfica, representada pela queda da mortalidade e natalidade e aumento da expectativa de vida das populações humanas, também contribuiria para a mudança. Gradativamente, agravos de natureza infecciosa seriam substituídos por doenças crônicas não-transmissíveis e causas externas no cenário epidemiológico, completando a chamada transição epidemiológica (BOULOS, 2001; LUNA, 2002; BRASIL, 2008). A emergência da AIDS na década de 80 foi o primeiro alerta contra esta expectativa de fim da era das doenças infecciosas.

Ao longo dos últimos anos, tem-se verificado que os mesmos determinantes que, acreditava-se, iriam reduzir as doenças infecciosas, também podem atuar na direção inversa, propiciando o surgimento e a disseminação de novas e velhas doenças infecto-parasitárias. Um exemplo é o da urbanização acelerada favorecendo o ressurgimento da dengue na região das Américas (LUNA, 2002).

A identificação de novos agentes infecciosos e o ressurgimento de doenças que se considerava controladas levam as "doenças emergentes e reemergentes" a figurarem hoje, ao lado dos efeitos do envelhecimento populacional e da violência urbana, como centro das atenções de profissionais da saúde, acadêmicos, gestores, agentes e atores de políticas públicas, das instituições governamentais ou não, nacionais ou internacionais.

DOENÇAS INFECCIOSAS
EMERGENTES E REEMERGENTES

"Doença emergente" é o surgimento ou a identificação de um novo problema de saúde ou um novo agente infeccioso como, por exemplo, a febre hemorrágica pelo vírus Ebola, a AIDS, a hepatite C, a encefalite espongiforme (doença da vaca louca) ou microorganismos que só atingiam animais e que agora afetam também seres humanos como o vírus da Febre do Nilo Ocidental, o hantavírus e o vírus da influenza aviária (A/H5N1). No caso da Influenza H5N1, desde os primeiros registros de infecção humana por este vírus de aves, em 1997, a comunidade internacional está em alerta para o risco potencial de uma nova Pandemia de Gripe em populações humanas (BRASIL, 2006 e 2008).

A elevada letalidade da infecção justifica o monitoramento da circulação do vírus e de seu impacto em humanos, embora a maior parte dos casos relatados tenha decorrido de estreito contato entre aves e pessoas, e não haja ainda condições moleculares para a transmissão eficiente deste vírus de pessoa a pessoa.

Já as "doenças reemergentes" indicam mudança no comportamento epidemiológico de doenças já conhecidas, que haviam sido controladas, mas que voltaram a representar ameaça à saúde humana. Inclui-se aí a introdução de agentes já conhecidos em novas populações de hospedeiros suscetíveis. Na história recente do Brasil, por exemplo, registra-se o retorno da dengue e do cólera e a expansão da leishmaniose visceral (BOULOS, 2001; BRASIL, 2008).

Segundo WALDMANN (1998) e LUNA (2002), as doenças infecciosas emergentes e reemergentes, de uma maneira geral, estão associadas aos seguintes fatores:
- modelos de desenvolvimento econômico determinando alterações ambientais, migrações, processos de urbanização sem adequada infraestrutura urbana, grande obras como hidrelétricas e rodovias;
- fatores ambientais como desmatamento, mudanças climáticas (aquecimento global), secas e inundações;
- aumento do intercâmbio internacional, que assume o papel de "vetor cultural" na disseminação das doenças infecciosas;
- incorporação de novas tecnologias médicas, com uso disseminado de procedimentos invasivos;
- ampliação do consumo de alimentos industrializados, especialmente os de origem animal;
- desestruturação/inadequação dos serviços de saúde e/ou desatualização das estratégias de controle de doenças;
- aprimoramento das técnicas de diagnóstico, possibilitando diagnósticos etiológicos mais precisos;
- processo de evolução de microrganismos: mutações virais, emergência de bactérias resistentes.

Todos esses fatores podem favorecer o aparecimento de novas doenças e alteração no comportamento epidemiológico de doenças antigas, tornando o quadro sanitário mais complexo do que a idéia de uma transição epidemiológica, pensada como simples sucessão de fases decorrentes, fundamentalmente, do processo de envelhecimento populacional e desenvolvimento científico, fazia supor (LUNA, 2002).

No Brasil, o modelo da transição epidemiológica nunca foi aplicável com perfeição. Em que pese uma marcante diminuição do peso relativo das doenças infecciosas e parasitárias enquanto causa de morbimortalidade - principalmente secundário à redução das doenças imunopreveníveis e das diarréias - persistem marcadas desigualdades regionais e sociais no país, e subpopulações nas quais os perfis de mortalidade pouco se alteraram nas últimas décadas (LUNA, 1998). A tuberculose pulmonar, por exemplo, que apresenta prevalência importante, já foi considerada reemergente. Entretanto, estudos especializados apontam para uma doença que apenas permaneceu em nosso meio (RUFFINO-NETTO, 1997), sem declinar significantemente, e com incidência elevada especialmente após o advento da AIDS.

A AIDS, a dengue e as infecções por bactérias resistentes a antimicrobianos - responsáveis pela elevada mortalidade por infecções hospitalares - são exemplos da modificação do comportamento das doenças infecciosas no mundo moderno (WALDMANN, 1998). Se no passado as doenças infecciosas eram majoritariamente associadas às más condições socioeconômicas, ao saneamento básico deficiente, às condições precárias de higiene e ao baixo nível de instrução, agora, com o surgimento ou recrudescimento de novas e velhas doenças, novos padrões de ocorrência também emergem, fruto da interação entre seus agentes, do ambiente e da vulnerabilidade populacional.

No Rio Grande do Sul, a coexistência de doenças crônicas e agravos decorrentes de violência com doenças infecciosas também ocorre. Apesar da redução do peso das doenças infecciosas na morbimortalidade, persiste endemicidade para a hepatite C, leptospirose, tuberculose e AIDS. Adicionalmente registram-se surtos de doenças como psitacose, casos de síndrome cardiopulmonar por hantavírus secundários à exposição a roedores, casos autóctones de esquistossomose, leishmaniose tegumentar americana, febre maculosa brasileira, dengue (BERCINI et al., 2007; RIO GRANDE DO SUL, 2006) e agora, possivelmente, febre amarela.

As doenças infecciosas, com isto, retomam espaço na agenda de prioridades em Saúde Pública.

DESAFIOS FRENTE ÀS DOENÇAS EMERGENTES E REEMERGENTES

Para o enfrentamento das doenças emergentes e reemergentes o fortalecimento da vigilância epidemiológica, especialmente no que diz respeito à sua capacidade de detecção precoce, tem um papel fundamental. Médicos, enfermeiros, médicos veterinários, e demais profissionais da assistência devem ser capacitados para identificar casos suspeitos e auxiliar no processo de investigação e desencadeamento das medidas de controle.

Epidemiologistas devem estar qualificados para realizar investigações de campo e monitorar o comportamento das doenças em indivíduos e populações, além de disporem de um sistema de informações ágil e que permita a tomada de decisão em tempo oportuno. É preciso fortalecer as atividades de vigilância em saúde (ambiental e sanitária, principalmente) e saúde pública veterinária, pois a emergência e reemergência de doenças infecciosas resultam da interação do homem com o ambiente. Alguns fatores, tais como a fauna sinantrópica e as condições sanitárias dos alimentos e das populações animais deveriam ser monitorados de forma rotineira e eficiente, de forma a prevenir, ou pelo menos alertar precocemente a comunidade para o risco de emergência de doenças. Isto exigiria mecanismos ágeis de comunicação entre os diferentes serviços envolvidos (BARATA, 1997; LUNA, 2002).

Para favorecer a capacitação técnica, a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde já estabeleceu parceria com o CDC americano, para a formação de epidemiologistas de campo, através do Programa de Treinamento em Epidemiologia Aplicada aos Serviços do SUS (EPI-SUS) (LUNA. 2002 ; BRASIL, 2008).

A capacidade de diagnóstico laboratorial também deve, necessariamente, ser ampliada, através de uma rede de laboratórios de Saúde Pública resolutiva, organizada de forma hierarquizada, dotada de equipamento adequado, suprimento oportuno de insumos, profissionais capacitados e que garanta a biossegurança. No Brasil, a rede constituída pelos laboratórios de Saúde Pública (LACENs) de cada estado e os laboratórios federais deve incluir, também, os laboratórios universitários (não só de patologia clínica, microbiologia, parasitologia, virologia e imunologia, como também de entomologia, zoologia, ecologia, ornitologia, micologia e medicina veterinária), além dos laboratórios da rede privada que demonstrarem interesse em participar. Esta rede ampliada, por sua vez, deve estar relacionada com as redes internacionais, organizadas pela OPAS/OMS, das quais o Brasil já faz parte (LUNA, 2002).

Outro desafio que as doenças emergentes e reemergentes colocam para a Saúde Pública diz respeito às normas de biossegurança. Há um risco de que agentes etiológicos novos e com alta letalidade possam vir a ser utilizados como armas biológicas, além da possibilidade real do tráfego global de viroses, em poucas horas, de um continente a outro, através das viagens aéreas (BARATA, 1997).

A questão da biossegurança deve contemplar o controle da importação de animais para experimentação, principalmente primatas, que podem ser reservatórios ou fontes de agentes infecciosos novos. As condições de transporte, acomodação e manutenção desses animais devem ser objeto de vigilância sanitária. Do mesmo modo, o manejo clínico de casos suspeitos em hospitais necessita de normas de biossegurança que protejam os profissionais de saúde e a clientela. O mesmo se aplica aos profissionais de laboratórios responsáveis pela identificação dos agentes etiológicos (BARATA, 1997).

Uma estratégia fundamental para o enfrentamento das doenças emergentes e reemergentes é o desenvolvimento de pesquisa básica e aplicada na área, com envolvimento das universidades e dos institutos de pesquisa, especialmente em novas tecnologias de diagnóstico (incluindo técnicas de biologia molecular), pesquisa epidemiológica, e desenvolvimento de fármacos e de vacinas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Brasil e o Rio Grande do Sul oferecem condições propícias para a emergência e reemergência de doenças infecciosas e parasitárias, por suas características climáticas, geográficas, ambientais e socioeconômicas.

Torna-se necessária a união de esforços de todos para fortalecermos as atividades de vigilância no âmbito institucional, nas diferentes esferas de governo. Parcerias com os serviços, profissionais e instituições públicas e privadas interessadas no tema são imprescindíveis, tanto quanto investimentos continuados na melhoria das condições de vida da população. Só assim estaremos preparados para enfrentar esses novos (velhos) problemas.

REFERÊNCIAS

BARATA, R. C. B. O desafio das doenças emergentes e a revalorização da epidemiologia descritiva. Rev. Saúde Pública, v.31, n.5, São Paulo, out. 1997
BERCINI, M. A. et al.  Surto de dengue autóctone no Rio Grande do Sul, 2007. Pôster apresentado no 18º Congresso Mundial de Epidemiologia e 7º Congresso Brasileiro de Epidemiologia, Porto Alegre, 20 a 24/09/08.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde.. Secretaria de Vigilância em Saúde.  Plano Brasileiro de Preparação para uma Pandemia de Influenza, 3ª versão. Brasília, 2006. _____. .<http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=28002>. Acesso em: 28 de dez. 2008.
BOULOS, M. Doenças emergentes e reemergentes no Brasil.  Ciência Hoje, v.29, n.170, p. 58-60, 2001.
LUNA, E. J. A. A emergência das doenças emergentes e as doenças infecciosas emergentes e reemergentes no Brasil. Rev . Bras. Epidemiol., v. 5, n. 3, 2002.
RIO GRANDE DO SUL. Secretaria Estadual da Saúde. Centro Estadual de Vigilância em Saúde. Rede Estadual de Análise e Divulgação de Indicadores para a Saúde.  A Saúde da população do estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2006.
RUFFINO-NETTO, A. Brasil: doenças emergentes ou reemergentes?  Medicina, Rib. Preto, v. 30, n. 405, jun./set.1997.
WALDMAN, E. A.  Vigilância em Saúde Pública. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública de São Paulo. 1998. (Série Saúde e Cidadania).

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Anexos
Boletim de Saúde - ESP/RS